f Adeus, verde.: O apartamento acima

14 de mai. de 2014

O apartamento acima

Apartamento 301 - Terça-feira (2h57min da madrugada)

Verônica

Madrugada. O cinzeiro já estava cheio de cigarros apagados, exceto por um que continuava aceso, mantendo a sala em uma penumbra. Em uma das mãos de Verônica uma taça de vinho, a quinta que ela tomava em menos de meia hora. Essa noite ela optou por não jantar, na verdade sequer almoçou, comida era tudo que Verônica não havia pensado hoje. Em sua outra mão estava o celular, onde a cada dois minutos colocava a sua senha de desbloqueio e conferia seu WhatsApp, verificando sempre o último horário que seu contato chamado "Amor" havia visualizado suas diversas e extensas mensagens.
A dor que aquele silêncio causava, conseguia ser maior que a dor que a última discussão havia deixado. Fim de relacionamento, cobranças, perguntas sem respostas, desconfiança, vontade de ficar, vontade de ir embora, querer que aquilo dê certo, mas, rezar para acabar. Ruim com ele, pior sem ele.
Tudo naquele apartamento estava pesado, a madrugada iria ser longa, mais carteiras de cigarro seriam abertas, e outras garrafas de vinho terminariam.

Apartamento 304 - Terça-feira (3h15min da madrugada)

Daniel

Apesar da noite estar super fria, a janela do quarto de Daniel estava escancarada, o quarto estava quente. Na cama, ele e sua namorada descansavam, depois de terem feito sexo. Os dois pegavam fogo quando estavam juntos, quando simplesmente se tocavam, se olhavam. Era uma mistura de amor, paixão e tesão que vinha dando certo a exatamente um ano. Eles estavam comemorando a data, e sentiam uma felicidade que parecia que nunca iria acabar, o tipo de momento feliz que poderia ser eternizado ou "congelado".

Apartamento 402 - Terça-feira (4h10min da madrugada)

Lúcia

Lúcia segurava a cabeça de seu filho enquanto ele vomitava muito, enquanto ele chorava dizendo que não aguentava mais aquele enjoo, aquele mal estar, era o segundo ciclo de quimioterapia dele, e as reações pioravam a cada dia. Ela colocou seu filho de volta na cama, e enquanto ficava ali ao seu lado, Lúcia rezava mentalmente. Implorava para Deus fazer tudo aquilo passar, implorava para que seu filho voltasse a ter a vida que sempre teve, saudável e feliz. Lúcia iria ficar acordada até o amanhecer, tomar um banho, deixar seu filho no hospital e ir trabalhar. Como? Nem ela sabia.



Apartamento 203 - Terça-feira (4h11min da madrugada)


Gustavo

Em frente a porta, Gustavo tentava encaixar a chave na fechadura, mas, seu corpo não deixava, ia pra trás e logo em seguida caia pra frente, tudo resultado das cinco tequilas e as incontáveis cervejas que ele passou as últimas horas bebendo. Gustavo gostava de comemorar, não importava ser uma terça-feira, ou ter que levantar dentro de três horas, pra ele todo dia, era dia. Ressacado, virado, nem isso tirava o sorriso do garoto.



Edifício - Terça-feira (8h00min da manhã)


Amanheceu. Amanheceu para cada um deles. A madrugada chegou ao fim. Todos levantaram de suas camas, tomaram seus banhos, vestiram alguma roupa e saíram pra rua, foram trabalhar, para seus compromissos e suas vidas.
Quem via Verônica caminhando pelo bairro não imaginava a noite de cão que ela havia tido, ninguém diria que ela estava sofrendo, e muito menos que sua cabeça não parava de latejar. As pessoas que repararam em Lúcia subindo no seu ônibus, nem desconfiaram da barra que ela vivia dentro de sua casa, quem ouvia ela agradecer o motorista não poderia acreditar que seu filho estava lutando com a morte. O sorriso na boca de Daniel e de Gustavo poderiam significar mil coisas, mas os verdadeiros motivos só eles sabiam.




Moral de tudo isso: Não Julgue, você nunca sabe o que se passa na casa ao lado, no apartamento acima. Acredite que tudo vai passar, tanto a angustia de Lúcia, o sofrimento de Verônica, e até mesmo a felicidade de Daniel e Gustavo. Tudo passa. Respire, e espere. Sempre amanhece, e a vida não para, até realmente parar.

2 comentários:

  1. Teu texto define a mais pura verdade, eu mesma me identifiquei em dois deles, quem vai saber o que se passa atrás de uma parede? A não ser quando os moradores gritam a plenos pulmões, kkkk Bj filhote

    ResponderExcluir
  2. Retratando vidas e mais vidas mundo a fora. São bairros, cidades, estados. Uma roda viva. De gente cada um com suas dificuldades, descritas por você Felipe, sem modéstia, divinamente.

    ResponderExcluir